Thursday, March 26, 2009

Cortiça

A cortiça é um tema particularmente sensível para mim. Por todas as razões. A começar pela própria cortiça, matéria-prima que tem variadíssimas aplicações e utilidades, desde calçado, isolamento, tapetes, bases para copos, bases para mesa, floreiras, até vestuário...enfim, ao contrário do que se pensa, a cortiça serve para quase tudo. É muito mais do que as simples rolhas que estão centenariamente associadas aos melhores vinhos. Apesar de tão versátil, é indiscutível que a indústria da cortiça está dependente, de modo esmagador, das rolhas.

Tanto quanto a sobrevivência do sobreiro está dependende da indústria da cortiça. Por muito que existam leis que protejam o sobreiro, a verdade é que se deixar de ter interesse económico, será o fim desta espécie vegetal tão característica do nosso País, assim como do ecossistema que lhe é subjacente. O fim do sobreiro, e consequentemente da cortiça, será o fim de uma indústria extremamente importante para economia nacional, e da qual nós somos os principais produtores/exportadores a nível mundial.

Nas últimas décadas a indústria corticeira entrou em declínio, mas mais recentemente a situação agravou-se, com o aparecimento da nova "screwcap", ou a rolha de plástico, que supostamente evita o risco de alteração do vinho devido ao TCA que resulta no chamado "sabor a rolha". Mas é possível evitar esse risco se as rolhas de cortiça tiverem um tratamento adequado que elimina os microorganismos que produzem o TCA, e há empresas que apostam nisso. E não é também verdade que há muitos vinhos que maturam melhor precisamente pela presença da rolha de cortiça, que permite o vinho respirar? Ou coisa parecida...? Lamento não perceber mais de vinhos, mas sempre ouvi qualquer coisa a esse respeito. Vinho e cortiça são uma associação íntima e centenária. E é deveras preocupante quando uma importante marca de vinho, como a casa Montez Champalimaud, anuncia abertamente a escolha pela rolha de plástico. É uma péssima publicidade que, se outras casas lhe seguirem o exemplo, pode ter sérias repercursões a nível ecológico, económico e até cultural.

Mais ainda quando cada vez mais se tenta alertar e consciencializar as pessoas para a necessidade urgente de proteger o planeta, como é possível optar pelo plástico em detrimento da cortiça, que tem a vantagem de ser um material natural, biodegradável, reciclável e não poluente??

Assisto impotente a tudo isto...queria fazer alguma coisa...mas além de recusar-me a comprar garrafas de vinho com rolhas de plástico - é quase de rir sequer considerar que isto possa ter algum efeito - não vejo nada que possa fazer alguma diferença. Talvez se o povo se unisse pela causa...

Mas acho que o povo tem mais com que se preocupar... Assuntos mais imediatos. Não algo como uma indústria que quase só existe no nosso País, não algo que é culturalmente tão importante (se a maioria nem tem consciência da sua existência), não uma árvore que foi plantada pelos nossos avós, uma vida de gerações, uma memória da identidade nacional.
Fotografia retirada de olhares, autoria: Francisco Fadista.

Sunday, March 22, 2009

Vida selvagem na Europa

Na Escócia, um milionário visionário resolveu avançar com um projecto cujo objectivo é restaurar a vida selvagem original das Highlands. Para isso tenciona reintroduzir as espécies que foram erradicadas da região há muitos séculos atrás, como javali, alce, lobo, lince e urso castanho. A ideia é que ao pôr naquelas terras os predadores e presas naturais, a fauna e flora selvagens fossem recuperadas e o ecossistema atingisse um equilíbrio natural.

Claro que, como todas as ideias revolucionárias que abalam as estruturas supra-estabelecidas da sociedade, há muitas vozes que se levantam, de apoio, mas principalmente de oposição. No entanto, os maiores problemas que estão a surgir são burocráticos, de leis que acabam por se contradizer. Por um lado exige-se a existência de uma vedação que proteja as pessoas que vivem na vizinhança dos predadores, por outro montanhistas e caminheiros opõem-se à vedação porque reclamam o direito de andar por onde quiserem...e se houver vedação há ainda a questão do terreno deixar de ser uma reserva de vida selvagem e passar a ser uma espécie de jardim zoológico, e nesse caso deixa de ser possível predador e presa estarem no mesmo espaço, portanto lá se vai a ideia de criar um ecossistema auto-sustentável.

Suponho que seja o que acontece sempre que alguém tenta mudar alguma coisa no mundo...A ideia nem sequer é original, já houve quem fizesse o mesmo na África do Sul, com sucesso. Mas os velhos do restelo acham que na Escócia isso é impossível.

Eu apoio a ideia. Acho fantástica. Se fizessem isso aqui em Portugal ficava igualmente feliz. Seria espectacular ter de volta o lince ibérico nas nossas florestas, assim como o aumento da população de lobos. A maioria destes animais não constituem perigo para o Homem, pois não estamos propriamente abaixo na cadeia alimentar, e foram alvo de perseguições implacáveis por preconceito e medo, em boa parte infundados, que levaram à sua erradicação em muitos dos locais que habitavam. Era bom que os governos dos países apostassem mais na recuperação da vida selvagem local.

Se quiserem saber algo mais sobre o projecto Alladale, vejam aqui.

Friday, March 20, 2009

Baudelaire

No topo da humanidade
Está o Amor sentado
E sobre esse trono qualquer humano
Num riso alarve
Sopra alegremente em balões rondos
Que sobem no ar
E vão integrar os mundos
Do além-éter.

Sobe, sobe, sem parar
O balão luminoso e alado,
Rebenta e expele sua alma frágil
Como um sonho furado.


Charles Baudelaire
in As Flores do Mal